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Vamos dizer adeus ao gasóleo?

19 abril 2022

Avizinha-se uma transformação profunda na mobilidade como a conhecemos. Leia, na íntegra, o artigo sobre como poderá ser feita a descarbonização do setor dos transportes.

A União Europeia está comprometida em atingir a neutralidade carbónica até 2050 e a descarbonização do setor dos transportes - responsáveis por 25% do total das emissões de gases com efeito de estufa na Europa - é um dos pilares essenciais desta mudança. O caminho para esta transformação profunda na mobilidade como hoje a conhecemos pode ter várias abordagens e a EUROTRANSPORTE foi tentar perceber se está ou não para breve o adeus aos motores a combustão.

Estamos em 2022 e já nem olhamos com estranheza para o verão que nunca mais acaba, para as ondas de calor, as vagas de frio, os meses de seca ou as inundações em alturas inusitadas. As alterações climáticas são cada vez mais dramáticas e há vários anos que temos tomado consciência de que é preciso agir pelo futuro do nosso planeta. O debate na esfera pública intensifica-se e as medidas já estão a ser tomadas para minimizar as consequências das emissões de gases com efeitos de estufa.
Entre elas, o Acordo de Paris, assinado por 195 países, que visa limitar o aquecimento global em 1,5ºC, reconhecendo que isso reduzirá significativamente os riscos e impactos das alterações climáticas. A Europa ambiciona ser o primeiro continente com um impacto neutro no clima, pelo que já adotou um conjunto de propostas legislativas com o objetivo de tornar as políticas da União Europeia (UE) em matéria de clima, energia, transportes e fiscalidade aptas para alcançar uma redução das emissões líquidas de gases com efeito de estufa de, pelo menos, 55% até 2030 (por comparação com os valores registados em 1990): o chamado «Fit for 55».

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A importância dos transportes
Fundamentais para o funcionamento da economia e para as cadeias de abastecimento mundiais, os transportes são, porém, responsáveis por 25% do total das emissões de gases com efeito de estufa na Europa, contribuindo consideravelmente para a poluição atmosférica e sonora, para a sinistralidade e para o congestionamento rodoviário. Deste modo, torna-se claro que para alcançar as metas propostas no sentido da descarbonização, são necessárias mudanças ambiciosas - para não dizer radicais - neste setor. Atualmente, os transportes rodoviários pesados são totalmente dependentes do gasóleo, produzido a partir do petróleo, que é um combustível fóssil não renovável praticamente omnipresente em tudo o que usamos e consumimos. Além de ser um recurso finito, gera graves consequências ambientais (e disputas políticas), tendo chegado a hora de procurar alternativas viáveis àquele que é conhecido como «ouro negro».
O desafio da sustentabilidade é sério e foi lançado não só aos fabricantes, mas também às próprias cidades, que cada vez mais querem limitar a circulação de veículos com motores de combustão. A urgência da crise climática é indiscutível e todos almejamos um planeta mais limpo. Mas será que estamos verdadeiramente preparados para transformar a realidade que conhecemos?

Mobilidade elétrica
Por um ambiente mais limpo e também por cidades mais silenciosas, onde a sensação de bem-estar deve prevalecer, os construtores de automóveis estão a investir fortemente em tecnologias de tração elétrica. Muitas marcas já anunciaram que nos próximos anos deixarão de produzir modelos com motores de combustão interna, abraçando totalmente a nova mobilidade sem emissões a médio prazo. Ao mesmo tempo, Portugal é até um dos países da UE com mais postos de carregamento elétricos por cada 100 quilómetros e é notória a tendência crescente na procura dos veículos elétricos a bateria
nos últimos anos. No entanto, é o segmento dos veículos pesados, em que aqui nos debruçamos, que se consubstancia como o calcanhar de Aquiles desta solução.
Sendo certo que a tecnologia evolui dia após dia, ainda está longe o momento em que poderemos ver um camião elétrico a ter prestações semelhantes a um pesado movido a gasóleo numa rota de longo curso. O «super» camião da Tesla, o Semi, foi anunciado em 2017 mas, cinco anos depois, ainda se mantém em testes. A marca tem preferido manter o silêncio sobre este processo, ainda que, recentemente, o CEO da empresa, Elon Musk, tenha revelado que o veículo deverá conseguir uma autonomia de 500 a 800 quilómetros, com uma carga de 40 toneladas. O início da produção em série chegou a estar previsto para o final de 2020, mas já foi adiado mais do que uma vez, estando agora previsto apenas para 2023. Precisamente em 2017, já Portugal estava um passo à frente no que toca à eletrificação de pesados e arrancava a produção em série do primeiro camião 100% elétrico do mundo. Falamos, é claro, da FUSO eCanter, desenvolvida no Japão e construída na fábrica da Mitsubishi Fuso Truck Europe, no Tramagal, a cerca de 140 km de Lisboa.

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À EUROTRANSPORTE, Luís Miguel Lopes, da área de Recursos Humanos e Comunicação da Fuso, explica que a grande vantagem deste tipo de tecnologia “é conseguirmos ter um veículo que se desloca sem emissões não só de CO2 mas também de outros gases como o óxido de azoto”. Já como “desafios, barreiras que sabemos conseguir ultrapassar, podemos falar na autonomia das baterias, onde a tecnologia está a avançar muito rapidamente, e na expansão da rede de abastecimento”. O nosso interlocutor garante que a procura por este veículo tem sido robusta e o fabricante prevê lançar uma nova geração da eCanter já em janeiro de 2023. Estes camiões ligeiros, com 7,49 t de peso total, um motor elétrico de 115 kW (156 cv) e um binário máximo de 390 Nm, anunciam uma autonomia superior a 100 km com a carga útil máxima e podem ser carregados numa hora, num carregador rápido. Graças ao seu tamanho e agilidade, pretendem ser a resposta para os desafios diários na cidade, onde maioritariamente executam rotas curtas e em estradas estreitas. Luís Miguel Lopes afirma que esta é, “neste momento, a tecnologia mais adequada para a descarbonização a curto prazo dos grandes centros urbanos” e acredita que é “uma solução de longo prazo”, que deverá “coexistir com outras tecnologias geradoras de energia”. A par disto, no entender da Fuso, o projeto de neutralidade carbónica para a fábrica do Tramagal é “fundamental, pois é o centro de montagem da FUSO na Europa e como tal queremos de estar na vanguarda através de projetos como o da neutralidade carbónica e da reutilização das baterias”. Resolvida, pelo menos em parte, a questão da distribuição urbana e entregas de «última milha», graças a um camião elétrico capaz de responder às necessidades deste segmento, mantém-se o problema do transporte de médio e longo curso, onde a tecnologia atual ainda não é capaz de garantir a autonomia necessária para a operação normal diária destes veículos. Para tal, seria necessário não só uma autonomia relevante - para a qual as baterias necessárias seriam muito pesadas e ocupariam muito espaço -, mas também uma infraestrutura de abastecimento satisfatória e ainda tempos de carga iguais ou inferiores ao do abastecimento dos veículos a combustão. Assim, que outro caminho existe e que pode ser uma alternativa ao gasóleo?

Gás Natural: Um passo de cada vez
É preciso dizer que a dependência dos combustíveis fósseis, infelizmente, não se resolve de um dia para o outro. Depois de desenvolvidas, as tecnologias têm de ser implementadas e a transição demora o seu tempo. Mas se há fonte de energia alternativa ao gasóleo, já existente (e até banal) na atualidade, é o gás natural. Mas dirá o leitor, com toda a razão, que continua a ser um combustível fóssil. Verdade, mas desde logo permite uma redução das emissões dos gases de efeitos de estufa entre os 15% e os 25%, contribuindo para um ar mais limpo e saudável nas cidades. Além disso, os equipamentos que utilizam o gás natural são totalmente compatíveis com biocombustíveis, esses sim renováveis: o biometano (gás renovável produzido a partir de resíduos orgânicos) e o e-metano (resultante de hidrogénio verde e da captura de carbono), possibilitando uma introdução gradual de combustíveis renováveis no abastecimento destes veículos. Não poderá ser este um dos caminhos que procuramos?

Victor Cardial, delegado da GASNAM em Portugal

O gás natural é hoje um combustível com uma tecnologia de implantação já conhecida e, segundo Victor Cardial, delegado da GASNAM em Portugal, “é, atualmente, a única alternativa viável para o transporte pesado e profissional, pois permite potências elevadas (acima dos 400 cv) e autonomias que podem alcançar os 1.500kms”.

A GASNAM é a associação ibérica de transporte sustentável que integra a cadeia de valor do gás e do hidrogénio para alcançar os desafios ambientais, económicos e operacionais do transporte por terra, mar e ar e defende que apesar de o Gás Natural Veicular já dispor de uma rede “com uma capilaridade bastante interessante, tanto a nível nacional, como em termos europeus”, o mesmo “tem vindo a ser excluído de apoios fiscais, mormente ao nível da chamada utilização profissional como acontece com o «gasóleo profissional» desde 2016”. Este aspeto, na opinião de Victor Cardial, acaba por “limitar o potencial de crescimento do setor e, sobretudo, a introdução progressiva de combustíveis renováveis no setor dos transportes pesados e profissionais, de acordo com as metas que estão consagradas no Plano Nacional de Energia e Clima”.

São inúmeras as empresas de transporte em Portugal que já utilizam este combustível e, segundo a GASNAM, na “maioria dos operadores públicos de transporte de passageiros, a adaptação é muito rápida, sendo apenas necessário, no caso do gás natural liquefeito, obter uma formação em segurança de abastecimento para lidar com combustíveis que estão a temperaturas criogénicas (negativas)”. Quanto à condução, não existem quaisquer alterações face aos combustíveis convencionais.
À preocupação ambiental junta-se o problema da rentabilidade da tecnologia e, à EUROTRANSPORTE, Victor Cardial é muito claro noque diz respeito ao investimento necessário para tornar o biogás competitivo face ao gasóleo: “A produção de biogás e a sua purificação para obter o biometano implica um investimento médio de 1,2 milhões de euros para uma capacidade de produção da ordem dos 1.000 m3/h. Acreditamos que, após a regulamentação da emissão das garantias de origem dos gases renováveis, estão criadas as condições para serem dados passos sólidos no sentido de permitir a progressiva penetração dos gases renováveis na mobilidade, até porque já estava prevista a isenção de ISP e de taxa de adicionamento nestes combustíveis, o que, do ponto de vista económico, constitui um sinal muito positivo para a sua competitividade face aos combustíveis de origem fóssil”.

Questionado sobre se considera que o gás natural veicular se afigura a solução mais adequada para o futuro do transporte, o delegado da GASNAM afirma que este “continua a constituir-se como a solução com maturidade tecnológica que no imediato permite obter ganhos ambientais consideráveis com uma recuperação do investimento a curto prazo, sobretudo no transentanto, admite que, para a associação, “todas as soluções são compatíveis e cabe a cada utilizador selecionar qual a melhor para o seu caso, sendo que a médio prazo os veículos a hidrogénio se apresentarão como uma solução muito interessante”.

Sobre este tema, Victor Cardial lembra que “a obtenção de hidrogénio a partir do gás natural com captura de carbono é, atualmente, a forma mais usual. A médio prazo, a produção de hidrogénio a partir da eletrólise da água e com utilização de eletricidade renovável, apresenta-se como uma solução muito adequada em termos ambientais, permitindo o fornecimento de e-combustíveis como o e-metano”.

 


“Os operadores têm de ter incentivos para renovar as frotas”
Quem o diz é Nuno Carvalho, Chief Commercial Officer da CaetanoBus que, apesar de tudo, nota uma evolução muito positiva neste aspeto um pouco por toda a Europa. “A preocupação em mitigar as alterações climáticas está na agenda dos governos, os operadores começam a estar sensibilizados e a definir as planos para atingir as metas de descarbonização das suas frotas”, diz, explicando que é aí que se enquadra a estratégia da CaetanoBus de “criar soluções de mobilidade Zero Emissões, que possam ajudar as cidades a ser melhores sítios para viver. Só desse modo vamos conseguir alcançar as metas de descarbonização a que a União Europeia se propôs”, afirma. Neste momento, a CaetanoBus conta com dois modelos urbanos Zero Emissões: o e.City Gold - 100% elétrico a baterias - e o H2.City Gold, também elétrico, mas movido a pilha de hidrogénio, numa parceria com a Toyota.

CAIXA OPERADORES_Nuno Carvalho, Chief Commercial Officer da CaetanoBus

Nuno Carvalho garante que a empresa vai continuar a trabalhar para alargar o portefólio de produtos neste segmento, mas considera que “é preciso um alinhamento entre a oferta e a procura: os operadores têm de ter incentivos para renovar das frotas, os Governos têm de criar políticas públicas que acompanhem essa tendência e têm de criar igualmente as infraestruturas para as novas tecnologias, como é o caso das estações de abastecimento hidrogénio públicas, no início com o preço do hidrogénio subvencionado por forma a permitir paridades em custos operacionais, a par com o que acontece na Alemanha, país para onde vendemos mais de 80% da nossa produção de autocarros elétricos a hidrogénio”.
Atualmente, a CaetanoBus está a preparar-se para ir mais além e afirma que quer “vir a ser o primeiro fabricante europeu a apresentar um autocarro de turismo elétrico a hidrogénio.
A CaetanoBus acredita que o hidrogénio será o combustível do futuro e aquele que nos vai permitir uma maior flexibilidade nas operações de mobilidade e proteger o meio ambiente. O hidrogénio é capaz de nos dar a liberdade e facilidade de utilização que nos deram os combustíveis fósseis, mas com a particularidade de não ser poluente”.


 

Hidrogénio:responder às necessidades
Voltando um pouco atrás, temos, então, a mobilidade elétrica que ainda não é capaz de suprir as operações diárias fora do perímetro urbano e o gás natural que, cumprindo no departamento da autonomia, não preenche todos os requisitos para a desejada descarbonização.
A grande alternativa ao gasóleo e à gasolina pode, como tal, ser o hidrogénio, o elemento químico mais presente na natureza e que pode ser um combustível não poluente. Nuno Bimbo, Professor Auxiliar de Engenharia Química na Universidade de Southampton, detalha as vantagens do hidrogénio: “É o combustível químico com maior densidade energética por unidade de massa. O hidrogénio tem cerca de três vezes mais energia quando comparado com uma massa igual de petróleo ou gasóleo. Além disso, a outra grande vantagem é que o hidrogénio não tem emissões nocivas associadas, pois quando é utilizado para gerar energia, o único produto que resulta desta reação é a água”. Além disso, o hidrogénio “pode ser usado para converter energia em motores de combustão interna (não necessariamente nos mesmos que são usados hoje em dia nos carros a gasolina ou gasóleo, mas o hidrogénio também pode gerar energia através de combustão) mas outra vantagem é que pode ser usado em células de combustível. Células de combustível (ou fuel cells em inglês) são dispositivos eletroquímicos que podem converter alguns combustíveis diretamente em eletricidade. A grande vantagem do uso de células de combustível é que são mais eficientes, mais silenciosas e geram menos calor que um motor de combustão interna”, explica.

Nuno Bimbo, Professor Auxiliar de Engenharia Química na Universidade de Southampton

Sendo um dos elementos mais comuns na Terra, existem várias maneiras de o produzir, seja “a partir de combustíveis fósseis ou usando biomassa”, afirma Nuno Bimbo, que esclarece desde logo que “se queremos que seja um combustível completamente limpo, podemos usar eletricidade proveniente de energias renováveis num processo denominado eletrólise, no qual uma corrente elétrica é usada para separar água em oxigénio e hidrogénio. Isto significa que o hidrogénio pode, em princípio, ser um combustível limpo e inesgotável”. Estaremos, assim, perante a tão ansiada solução para a transição energética? A resposta é talvez. Porque tudo tem um custo e, apesar de se apresentar como uma resposta ideal em termos ecológicos, não o é em termos económicos. Na verdade, produzir hidrogénio limpo, o chamado hidrogénio «verde», tem custos de produção muito elevados. O professor de engenharia química é da opinião que “tudo leva a crer que o aumento da procura e as economias de escala contribuam para que os preços do hidrogénio continuem a cair, tanto do chamado hidrogénio «azul» (produzido a partir de combustíveis fósseis mas capturando o dióxido de carbono que é gerado) ou «verde» (hidrogénio produzido a partir de fontes renováveis, sem emissões)”.

Contudo, é logicamente impossível de adivinhar se em algum ponto o seu custo será inferior ao do gasóleo ou da gasolina, uma vez que isso depende de vários fatores, entre os quais “se teremos taxas sobre emissões (por exemplo, o chamado imposto carbónico) ou sobre combustíveis fósseis, ou se teremos algum subsídio para combustíveis limpos. Também convém lembrar que as células de combustível, que são o método preferencial para usar o hidrogénio em veículos, são relativamente caras. No entanto, os sinais que se têm visto noutras áreas são encorajadores – por exemplo, os preços de painéis solares ou de baterias de lítio têm caído abruptamente na última década”, alerta.

Interrogado sobre porque é que o hidrogénio pode ser uma alternativa viável ao gasóleo, o professor de engenharia química explica que “a combinação hidrogénio e célula de combustível pode oferecer maior autonomia e o tempo de recarregamento é bastante mais curto do que o tempo de baterias. No entanto, a compatibilidade e o uso crescente de hidrogénio em veículos pesados está altamente dependente do método de armazenamento de hidrogénio – a tecnologia mais usada atualmente consiste em comprimir hidrogénio até 350 ou 700 vezes a pressão ambiente em cilindros muito pesados, o que também implica um custo elevado. Pode ser que haja avanços na tecnologia que permitam desenvolver métodos mais económicos e seguros para armazenamento de hidrogénio, o que poderia significar a sua fácil implementação em veículos pesados”, considera, acrescentando que é preciso fazer também outro tipo de contas nesta equação. “É importante também lembrar o custo enorme para a sociedade a todos os níveis de continuarmos nesta trajetória e não fazermos nada relativamente à descarbonização.

Vendo as consequências das alterações climáticas e a qualidade do ar nalgumas cidades, será que nos podemos dar ao luxo de continuar a não fazer nada? Qual será o custo para a nossa sociedade de não adotarmos combustíveis e tecnologias mais limpas e termos de lidar com os efeitos severos das alterações climáticas que já se começam a fazer sentir?”, questiona.

Por outro lado, é preciso estar atento e não colocar o hidrogénio todo «no mesmo saco», porque se, como já se referiu, este pode ser um combustível limpo, a verdade é que também pode ser uma tecnologia potencialmente mais nociva para o ambiente. Nuno Bimbo afirma que cerca de 90 a 95% de todo o hidrogénio produzido mundialmente é através da “reformação de metano (o principal componente do gás natural) a altas temperaturas, o que gera hidrogénio e dióxido de carbono”, visto que este é “um processo normalmente feito em grande escala e que o preço do gás natural é relativamente barato”.

O nosso interlocutor declara que “existe alguma investigação e discussão em volta deste tema, particularmente o uso de tecnologia conhecida como captura e armazenamento de dióxido de carbono, o qual evitaria a emissão deste gás para a atmosfera. Isto tem levado alguns investigadores a defenderem algumas das vantagens deste método, principalmente porque poderá ser adotado rapidamente e a um custo menor”.

Nuno Bimbo aclara ainda que “nem todo o hidrogénio produzido a partir de eletrólise é «verde» já que as emissões que lhe estão associadas irão sempre depender do método usado para a produção dessa mesma eletridade. Se a eletricidade for 100% renovável, então o hidrogénio não terá emissões associadas, mas se a eletricidade for toda produzida numa central a carvão, então o hidrogénio que daí resultar irá ter um grande número de emissões associadas. Ou seja, as emissões do hidrogénio produzido por eletrólise estão completamente dependentes do método que foi usado para produzir a eletridade que é usada no processo. Isto significa que terá que ser sempre feita uma análise para não corrermos o risco de usarmos uma tecnologia que poderá ser potencialmente mais nociva para o ambiente”. Entre as desvantagens relativas ao uso de hidrogénio como combustível em veículos, Nuno Bimbo aponta ainda “o seu custo, o custo do veículo, a durabilidade das células de combustível, e a mudança necessária na infraestrutura de abastecimento. Outro grande problema está relacionado com o armazenamento de hidrogénio dentro do veículo, já que o hidrogénio é um gás com muito pouca densidade. Apesar de ter uma grande densidade energética por unidade de massa, em condições de temperatura e pressão próximas das condições ambiente, um quilograma de hidrogénio ocupa um volume muito grande. Isto é obviamente uma desvantagem quando comparado com combustíveis como o gasóleo ou a gasolina, que são líquidos e têm uma densidade muito maior, não sendo problemático o impacto do depósito no habitáculo. Isto significa que para usos de hidrogénio em que o volume é importante (e o volume é muito importante para qualquer tipo de veículo), terá que ser usado um método que permita armazenar uma grande quantidade de hidrogénio em segurança. Isto também tem naturalmente consequências no desenho do habitáculo e no seu custo”, conclui.

Do outro lado da barricada
Peças-chave neste processo são os transportadores, que enfrentam todo o tipo de desafios, desde o aumento da carga fiscal, à pressão da descarbonização, a par da falta de incentivos. A transição energética exige investimentos avultados que não se ficam pela aquisição de veículo, sendo também imprescindível que exista uma rede de abastecimento conveniente e formação específica para os motoristas, que terão de se readaptar à sua nova realidade, em qualquer que seja a nova tecnologia, pelo que não será uma alteração simples nem abrupta.

Para curtas distâncias e em meios urbanos, os veículos elétricos a bateria assumem-se como capazes de cumprir as missões, no entanto, a médio prazo, o gás natural pode ser um dos caminhos para que a transição energética na mobilidade aconteça de forma progressiva, sem ruturas ou disrupções na estrutura económica e sem quaisquer investimentos adicionais nos equipamentos ou nos sistemas de transporte, em particular no setor profissional e pesado. O hidrogénio, por outro lado, apresenta-se como a possível solução para o longo curso, caso se reúnam as condições para o mesmo se tornar uma alternativa realmente viável aos combustíveis fósseis. Deste modo, não há ainda uma clara definição sobre qual poderá ser a tecnologia que irá substituir o gasóleo a 100%, ou se, durante as próximas décadas, iremos conviver com diferentes fontes de energias alternativas em simultâneo. A única garantia que temos é que, se queremos habitar num planeta mais sustentável e limpo, mais cedo ou mais tarde teremos de dizer adeus ao gasóleo.

Há mais a fazer!
Também no setor dos transportes e mobilidade há transformações que já começam a ser feitas, como seja a utilização crescente dos sistemas de partilha de equipamentos (bicicletas, trotinetes, scooters e até carros), a promoção do usos de transportes públicos, da ferrovia e dos modos suaves, como a criação de ciclovias e zonas pedonais e ainda o desenvolvimento de sistemas de integração de dados de transportes em tempo real, para a gestão interativa de sistemas de transportes coletivos.

Artigo publicado originalmente na edição 126 da Revista Eurotransporte.


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