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Conduzir nas autoestradas: Altruísmo ou bom senso?

O Consultório de Segurança, por António Macedo.

No final deste verão tive de efetuar uma viagem de automóvel ao norte de França, numa distância de quase 4000 km, algo que já não fazia há mais de 20 anos. A viagem teve motivos profissionais e aproveitei para fazer um pouco de turismo e visitar alguns locais, cidades e monumentos que encontrei pelo caminho.

Nos anos 80 e 90 não havia companhias “low cost e as viagens de avião eram caras e os destinos limitados às grandes cidades. Para viajar para destinos periféricos ou cidades do interior, por vezes era mais fácil e mais barato viajar de carro, às vezes acompanhado por colegas de trabalho outras vezes por familiares, em viagens onde muitas vezes conduzíamos à vez, tentando atravessar Espanha num só dia, chegando à Europa por San Sebastian ou por Barcelona.

Lembro-me dos milhares de emigrantes portugueses que todos os anos voltavam à sua terra no verão e tinham pelo menos 1500 a 2000 km de condução, para cada lado, pela frente. Da travessia de Espanha nunca se safavam!

Já neste século, viajar para cidades mais pequenas da Europa tornou-se rápido, fácil e barato, pelo que as grandes viagens de carro são sobretudo em pequenas ligações, para locais distantes até 400 ou 500 km, o que repartido por vários dias resulta em distâncias diárias relativamente curtas.
Durante esta viagem, que fiz sempre por autoestrada (AE), tive a oportunidade de entender algumas dificuldades que afetam os motoristas de pesados de mercadorias, problemas de quem conduz milhares de quilómetros num camião, nas suas viagens através da gigantesca e moderna rede que liga a Europa de ponta a ponta.

Um exemplo flagrante de diferença entre as AE portuguesas e as outras acontece nas subidas íngremes ou prolongadas, que possuem normalmente uma via mais à direita sobreposta à berma, onde a sinalização informa ser obrigatória para trânsito de veículos que circulem abaixo dos 70 km/h, lá fora denominada via de lentos. Estranhamente, no final das subidas, é esta via que termina e obriga os camiões a negociarem com os veículos ligeiros o retorno à via da esquerda. Reparei que nos outros países, quando abre uma via de lentos, no final da subida é a via mais à esquerda, a dos veículos mais rápidos, que se integra na que via à sua direita. Faz sentido! É mais fácil a um ligeiro perder um pouco de velocidade no final da subida do que a um pesado perdê-la quando já subiu a custo toda uma enorme pendente.

Outra grande diferença acontece na distância entre locais de paragem, pois normalmente a cada 20 kms, nas AE europeias, está disponível uma zona de descanso ou estação de serviço.
Em Portugal, com meia dúzia de exceções, estas áreas distam 40 km umas das outras. Parece uma mesquinhez minha, mas se já conduziu um camião saberá que a velocidade máxima que atingem, limitada tecnicamente, é de 90 km/h.
Ora, se para um ligeiro que pode circular a 120 km/h estes locais de descanso ficam a 20 minutos de distância, para o motorista de um pesado distam quase meia hora uns dos outros. Parece pouco, e são apenas cerca de 7 minutos de diferença, mas para quem tem de efetuar paragens obrigatórias por limitação legal de tempos de condução ou para quem de repente se começa a sentir cansado, quase meia hora até um local de paragem pode ser demasiado tempo.
Sendo inúmeras as diferenças entre os países e as suas AE, notei outra que resulta sobretudo de um desempenho pouco profissional ou egoísta. Quando um camião decide ultrapassar outro numa zona com apenas duas vias de circulação no mesmo sentido, sendo a velocidade de quem ultrapassa muito próxima da velocidade do ultrapassado (refiro-me a velocidades próximas dos 90 km/h e de veículos com cerca de 20 metros de comprimento), implica que o camião que inicia a ultrapassagem - se a iniciar 10 metros antes de atingir a traseira do veículo que vai ultrapassar e a terminar 10 metros depois de passar a sua frente - terá de ocupar a fila da esquerda em cerca de 50 metros, distância que, se os dois veículos tiverem um diferencial de velocidade de um quilómetro por hora (1 km/h), demorará cerca de 3 minutos. Ora em 3 minutos, se o tráfego estiver pouco intenso não irá afetar quase ninguém, mas com tráfego intenso esse camião pode juntar uma dúzia de viaturas ligeiras atrás de si ou até filas de viaturas paradas uns quilómetros mais atrás. Por este motivo nas AE europeias, em muitos trechos com apenas duas filas, é proibida a ultrapassagem a camiões, sobretudo em zonas de tráfego mais intenso.

Já tive oportunidade de conduzir um camião articulado em percursos de AE e percebi que quando algum outro pesado ligeiramente mais rápido me pretendia ultrapassar, se tirasse o pé do acelerador durante cerca de 10 segundos reduzia a velocidade em cerca de 10 km/h e permitia abreviar a ultrapassagem do outro camião, e facilitando essa ultrapassagem evitava longas filas de ligeiros. No final eu perdia apenas uns segundos na minha viagem e todos os outros condutores ganhavam, sobretudo segurança. Altruísmo ou bom senso?

*Publicado originalmente na edição 130 da Revista Eurotransporte.

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