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Tecnologias de perder a cabeça

Há cenários que parecem futuristas, mas que já são possíveis hoje em dia com a tecnologia que está disponível. Leia o artigo «Tecnologias de Informação» de Filipe Carvalho.

Imagine que entra no seu carro de manhã e marca no GPS um destino numa zona comercial. A navegação a bordo da viatura reservalhe um lugar num parque de estacionamento próximo do destino. Ao chegar, lembra-se que é o aniversário da sua mãe. Através do seu smartwatch, envia-lhe flores que irão chegar horas antes de a encontrar para almoçar.

No regresso a casa, ao final do dia, o seu telefone convida-o a concluir a encomenda de supermercado que iniciara no seu computador durante a tarde. Embora possa parecer um cenário futurista, tudo isto é possível com as tecnologias e serviços atualmente disponíveis.

Marcar um destino num GPS é comum. Parques de estacionamento que aceitam reservas também. Mas é raro receber uma sugestão de reserva no parque de estacionamento quando se marca um destino de GPS. Porquê? Porque os sistemas de reserva de estacionamentos foram construídos a pensar em pontos específicos de interação com o consumidor, como uma app mobile do próprio serviço ou o seu website. Não consideraram a possibilidade de integração com outros serviços, como um qualquer sistema de GPS que possa juntar as duas ofertas e assim ser um canal alternativo de interação com o cliente.
Existem atualmente vários serviços de encomenda de flores online que podem ser acedidos por um navegador de internet num computador. Mas não através de um smartwatch, ou de um quiosque digital, ou de qualquer outro dispositivo que não aquele para o qual o serviço foi pensado inicialmente. O serviço fica assim demasiado associado a uma forma específica de interação com o cliente e não tem agilidade suficiente para evoluir rapidamente para outras formas, falhando no acompanhamento das necessidades dos consumidores.

Uma encomenda de supermercado pode ser iniciada num navegador de internet num computador, mas quando nos movemos para a app mobile correspondente esperamos encontrar o mesmo carrinho de compras virtual, e não um vazio. Isto implica que os dois canais de interação com o cliente (website e app mobile) devem estar, na realidade, a utilizar os mesmos serviços centrais de negócio. Ou seja, a seleção de compras deve existir num carrinho de compras central que pode ser apresentado ao consumidor em vários dispositivos e grafismos.

Estes casos de uso são exemplificativos de uma mudança de comportamento do consumidor que exige ao comércio eletrónico novas estratégias organizacionais e tecnológicas. As experiências online dos clientes estão cada vez mais fragmentadas e com novos pontos de interação. Isto representa uma oportunidade significativa para as marcas e os comerciantes expandirem os seus negócios digitais.

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Plataformas de comércio digital
As limitações apontadas nos exemplos anteriores advêm de uma conceção comum em sistemas tecnológicos que consiste em acoplar a lógica de negócio a uma forma específica de apresentação ao consumidor.

Por exemplo, um sistema de reserva de estacionamentos implementa os seus processos de negócio no que se denomina de backend, como a gestão dos lugares disponíveis no parque, a reserva de um lugar a partir de uma certa hora, a cobrança do cartão de crédito do cliente, a emissão de fatura por email, etc. Tudo isto é interno à organização. Por outro lado, o sistema disponibiliza as funcionalidades do negócio aos consumidores através de um frontend, um canal de interação como um website, uma app mobile, uma rede social, etc. Esta é a apresentação externa do serviço.

A principal lacuna dos sistemas de comércio eletrónico existentes está na limitação do seu backend aos próprios frontends. Muitas vezes os sistemas são construídos de tal forma que não é possível desacoplar um do outro. Ou, pior, não permitem que um sistema terceiro aceda diretamente ao seu backend para fazer compras sem passar por algum dos seus frontends.

O negócio online fica assim impossibilitado de explorar canais de interação adicionais como redes sociais, aplicações de mensagens instantâneas, quiosques digitais, entre muitos outros canais emergentes e para onde os consumidores divergem rapidamente.

A solução tecnológica mais adequada pertence uma categoria denominada por Plataformas de Comércio Digital. Este tipo de sistemas permite a definição de toda a lógica de negócio (backend) de forma separada e independente da forma de apresentação e interação com o consumidor (frontend). Esta abordagem denomina -se por paradigma headless (sem cabeça), ou seja, os processos de negócio não estão vinculados a uma face do serviço. O corpo vive bem independentemente da cara que possa vir a assumir.

Estas plataformas permitem o desenho e disponibilização online dos serviços sob múltiplos formatos (websites, mobile apps, redes sociais, quiosques digitais, smartwatches, etc) a partir de regras de negócio definidas centralmente, de forma muito ágil. Ao mesmo tempo, permitem que sistemas terceiros utilizem os seus serviços expandindo-os por ainda mais canais de interação com consumidores provenientes de outras experiências. Todas as experiências imaginadas no primeiro parágrafo deste texto são facilmente implementáveis se assentes nesta tecnologia e neste paradigma.

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Inteligência centralizada
Sem cabeça não significa sem cérebro, apenas sem uma cara definida. De facto, o cérebro do sistema está nos seus processos de negócio centralizados no backend. Numa perspetiva de transporte e logística, por exemplo, o backend assumirá a gestão das ordens dos clientes e todo o fluxo necessário para as satisfazer, através da integração com aplicações especializadas em cada uma das áreas da cadeia de valor:
- O sistema de gestão de armazéns para proceder à preparação da expedição dos produtos em stock no armazém;
- O sistema de planeamento e otimização de rotas para a mais eficiente expedição e transporte dos produtos até aos clientes;
- A aplicação móvel que permite ao motorista executar a rota tal como planeada e reportar incidências em tempo real, bem como a confirmação das entregas;
- A aplicação móvel de acompanhamento da entrega, em tempo real, por parte do cliente no seu telefone;

Estas tecnologias especializadas asseguram a execução eficiente das encomendas e são a garantia de que o serviço disponibilizado online é fiável, económico, competitivo e resiliente. Adicionalmente, recorrendo ao paradigma headless, as organizações podem criar experiências personalizadas para os clientes, ganhar a liberdade de experimentar, aumentar a sua agilidade e escalar novos conceitos com mais eficiência. A proliferação destes sistemas e a sua crescente adoção continuarão a pavimentar o caminho para melhores e mais dinâmicas experiências de compra, tal como imaginado um dia.

 *Publicado originalmente na edição 130 da Revista Eurotransporte.

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