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Sabe qual a utilidade dos dados?

Vivemos numa era de informação onde os dados são a base de muitas decisões. Mas será que estamos a beneficiar de tudo o que estes nos podem dar?

Quando proponho uma tecnologia transformadora da forma como uma empresa opera, tipicamente enfatizo os dois principais desafios que a organização terá para o adoptar plenamente: a gestão da mudança e a qualidade dos dados.

A gestão da mudança na implementação de uma tecnologia transformadora é um tema que talvez aqui ainda se irá falar. Quando refiro a qualidade dos dados, e sua utilidade, oiço frequentemente o mesmo dos muitos decisores com quem tenho falado ao longo da minha carreira: “temos muitos dados”. Acabamos mais tarde por perceber que “muitos dados” não é sinónimo de bons dados.

Mas o que mais me intriga é a utilidade que esses dados têm nas organizações, em particular os dados relacionados com a logística. “Muitos dados” também não é sinónimo da sua melhor utilização. Num contexto de business analytics, podemos classificar a utilização dos dados em (pelo menos) quatro grandes vertentes. Reproduzo os chavões em inglês porque são frequentes na comunicação e procuro assim estabelecer um mapeamento para os conceitos em português:
• Descriptive analytics, ou análise descritiva, refere-se ao que aconteceu no passado.
• Diagnostic analytics, ou análise de diagnóstico, refere-se à razão por que algo aconteceu.
• Predictive analytics, ou análise preditiva, refere-se à predição de algo que poderá acontecer no futuro.
• Prescriptive analytics, ou análise prescritiva, refere-se a acções que podem ser tomadas no futuro.

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Vejamos em mais detalhe como estes tipos de utilização de dados e tecnologias associadas estão à disposição da logística.

Descriptive analytics, a visão de retrovisor
A análise descritiva dos dados é a que mais frequentemente se encontra. Considera os dados de forma meramente estatística e reporta o que aconteceu. É uma visão de retrovisor numa perspectiva de gestão, limita-se a classificar o que se passou sob a forma de relatórios, gráficos, dashboards, em ferramentas como folhas de cálculo ou, por vezes, alguns softwares próprios. Por exemplo, através de descriptive analytics ficamos a saber quantos quilómetros uma frota percorreu no mês passado, quantas paletes de carga entregou, quanto custou a operação num determinado dia, etc. É talvez a forma mais usual de utilização dos dados, mas também a mais superficial.

Diagnostic analytics, respondendo aos «porquês»
Enquanto a análise descritiva nos apresenta uma descrição do que aconteceu, a análise de diagnóstico procura responder à questão “porque aconteceu”. Em termos de tecnologia ouvimos expressões como data mining, ou minagem de dados. Isto refere-se a técnicas de catalogação de dados e estabelecimento de correlações entre eles.

Por exemplo, podemos verificar que na última semana houve um aumento de quilómetros realizados pela frota e que houve igualmente um aumento do número de paletes entregues. Uma análise de diagnóstico pode indicar que um é causa do outro (é normal que se temos mais paletes para entregar tenhamos de percorrer mais quilómetros).

No entanto, estes tipos de técnicas produzem por vezes resultados surpreendentes. Por exemplo, perante um aumento de paletes para entregar podemos verificar que os quilómetros globais não aumentaram, mas sim a ocupação média das viaturas. Ou seja, transportámos mais pelo mesmo custo, simplesmente aproveitando melhor a capacidade das viaturas. Paralelamente, concluímos que percorremos mais quilómetros e que tal deve-se somente a um pior planeamento de rotas feito pelo planeador de tráfego que é recente na função. Este estabelecimento de correlações para obter um diagnóstico sobre as razões por que algo aconteceu é importante para tomar decisões futuras assertivas.

Predictive analytics, a bola de cristal
O histórico de dados disponível permite a técnicas como machine learning ou previsão de séries temporais (entre muitas outras), determinar padrões e tendências, antecipando o que vai acontecer no futuro com base em dados do presente. Esta é a base do conceito de análise preditiva.
Estas técnicas têm evoluído muito nos últimos anos, mas não são recentes. O exemplo mais célebre de utilização de machine learning é no xadrez. Um computador joga contra ele próprio, registando o resultado de cada uma das suas jogadas. A cada jogo o sistema afina os pesos de cada uma das decisões tomadas em cada jogada, em função das probabilidades de sucesso que cada decisão teve no passado. Ao fazê-lo repetidamente, a jogar contra si próprio, consegue obter uma afinação muito forte do que pode acontecer em cada jogada futura mediante uma configuração das peças no tabuleiro.
O mesmo se aplica na logística. Ao analisar os dados de ordens de bebidas no passado conseguimos inferir que a seguir a fins-de-semana soalheiros segue-se uma segunda-feira de encomendas forte. Ou mesmo na sexta-feira anterior se as previsões de tempo assim o indicarem. Se sabemos que vamos ter uma segunda-feira de encomendas forte, que, eventualmente, irá extravasar a nossa capacidade de entrega, podemos usar essa informação na sexta-feira anterior para fazer uma promoção e entregar mais artigos em antecipação. Isto permite alisar o pico de entregas e ainda prevenir que o cliente faça eventuais encomendas a concorrentes depois do fim-de-semana de sol.

Prescriptive analytics, a acção liderada pelos sistemas
O filme de ficção científica Minority Report (Steven Spielberg, 2002) apresenta Tom Cruise num
papel de polícia de “pré-crime” numa sociedade onde uma unidade policial age antes que os crimes sejam cometidos, evitando-os. Os crimes são previstos por três videntes chamados “precogs”.
As técnicas de análise prescriptiva são os “precogs” do presente. Levam a análise preditiva um passo mais adiante até à acção efectiva. Se temos uma ideia de como as coisas se vão passar no futuro então podemos agir de forma a influenciar esses acontecimentos, ora prevenindo-os, ora tirando partido deles.

É nesta categoria que se encaixam sistemas como o Autopilot da Tesla, ou o Routyn da Wide Scope. O Autopilot da Tesla é um sistema treinado com milhões de imagens de estrada e consequentes reações a cada circunstância de forma a poder conduzir uma viatura na estrada em tempo real. É verdade que ainda estamos na infância desta tecnologia, com muitas limitações, mas os resultados actuais são promissores.

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O Routyn, por sua vez, tem a capacidade de redesenhar as rotas de uma frota em tempo real, enquanto as viaturas estão na rua a fazer as suas entregas, se tal for necessário mediante a premonição de novas ordens de entrega urgentes para o mesmo dia.

Ou seja, o sistema tem a capacidade de planear rotas para as entregas conhecidas no início do dia reservando tempo para as entregas que irão surgir ao longo do dia, mas que ainda são desconhecidas.
Isto permite que as viaturas voltem ao armazém para recarregar à medida que novas ordens vão surgindo, prevenindo assim falhar com pedidos urgentes ao longo do dia, e minimizando o impacto nas entregas já conhecidas. Tudo isto é determinado automaticamente pelo sistema, operando autonomamente na gestão da frota.

Os sistemas de decisão em tempo real são a mais avançada utilização que se pode fazer dos dados disponíveis, extravasando em muito qualquer análise que se possa realizar.
Acompanhamos as organizações de logística e verificamos a sua utilização de dados de forma descritiva, por vezes utilizando análises de diagnóstico. Mais raramente encontramos utilização sob a forma preditiva, e menos ainda de forma prescriptiva.

Mas é precisamente isso que tem vindo a mudar nas mais avançadas operações logísticas em Portugal e no estrangeiro, implementando sistemas avançados de optimização de rotas e planeamento de frotas, dando passos seguros para que estas organizações obtenham cada vez mais vantagem na utilização dos seus dados.


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