Planeamento de rotas - mais entregas em menos km?

Quando planeamos rotas para viaturas há um conjunto de pressupostos que assumimos e que raramente questionamos. Destes, há dois que se destacam.

entregas

Considerando a rota mais rápida entre dois locais podemos acrescentar uma terceira paragem pelo meio e obter uma rota total ainda com menor distância total percorrida? E entregar uma encomenda de 33 paletes num cliente com uma viatura de 33 paletes de capacidade é sempre a melhor decisão?

Consideremos a rota mais rápi­da entre um local e outro, por exemplo entre Lisboa e Lagos. A rota mais rápida demora cerca de 2 horas e 45 minutos e percorre cerca de 300 km. Leva-nos sempre pela A2 até ao Algarve, onde entramos na A22 (Via do Infante) e seguimos até Lagos. É possível adicionar uma paragem entre Lisboa e Lagos e obter uma rota onde percorramos uma distância ainda menor?

Adicionar paragens permite fazer menores distâncias

Parece contraintuitivo porque temos tendência a pensar que se fosse possível adicionar uma paragem ao melhor ca­minho entre dois locais e assim redu­zir a distância total percorrida, então teríamos optado logo por passar por lá mesmo antes de termos a terceira para­gem, e que, portanto, esse caminho não deveria existir. Pensamos nisto porque imaginamo-nos a adicionar um desvio ao caminho original e isso implica sempre adicionar distância ao percurso total.

Mas esquecemo-nos que o caminho mais rápido nem sempre é o caminho mais curto. Por isso, a resposta é sim! É possível adicionar uma paragem ao caminho mais rápido entre dois locais e obter uma rota mais curta ainda. No exemplo anterior, se decidirmos parar em Odemira obtemos uma rota com cerca de 278 kms no total, começando no mesmo local de Lisboa e terminando no mesmo local de Lagos.

Efectivamente, se pretendermos percorrer a rota mais curta não podemos acompa­nhar a auto-estrada A2 durante grande parte do percurso e devemos endereçar estradas nacionais que permitem encurtar o caminho. No entanto, o tempo total de viagem sofre a degradação corres­pondente uma vez que a velocidade a que se pode transitar em auto-estrada é consideravelmente superior à velocidade em estradas nacionais.

Ao introduzirmos Odemira entre Lisboa e Lagos forçamos a que o caminho mais rápido coincida com o mais curto. Temos de abandonar a A2 no cruzamento com o IP8 Beja/Alcácer e seguir sempre por estradas nacionais até Odemira e depois até Lagos. Com isto poupamos mais de 20 km face ao caminho directo para Lagos, mas adicionamos cerca de 45 minutos ao tempo total de viagem. Em bom rigor existe ainda outro caminho mais curto para este mesmo percurso, mas deixamo-lo de fora desta análise por motivos de simplicidade.

Por isso, sim, é possível adicionar paragens à rota mais rápida entre dois locais e obter uma rota mais curta. Excepto, é claro, se ao caminho mais rápido já corresponder o caminho mais curto. Nessa circunstância qualquer desvio adiciona sempre tempo e distância.

Planeamento de rotas

Um carro completo nem sempre é a melhor opção

Outra premissa que é frequentemente assu­mida quando realizamos um planeamento de rotas para vários veículos, nomeadamente num qualquer processo de expedição, é a de que a uma encomenda de carro completo deve ser sempre planeada num carro completo.

Por exemplo, entregar uma encomenda de 33 paletes com uma viatura de 33 paletes de capacidade numa frota onde esta é a maior viatura disponível.

Como pode haver uma decisão melhor do que esta se já estamos a alocar o maior carro disponível e qualquer outro carro de menor capacidade implicaria uma segunda visita ao mesmo cliente para entregar o remanescente?

Consideremos novamente uma frota com partida em Lisboa e com 3 clientes para servir. Um cliente em Santarém para entregar 33 paletes, outro em Coimbra para entregar 13 paletes e outro em Castelo Branco para entregar 20 paletes. Consideremos também, por razões de cumprimento de horários é impossível enviar um mesmo carro para Coimbra e Castelo Branco, mesmo que a quantidade acumulada de ambas as visitas coubesse num carro apenas.

Por fim, consideremos que a frota é composta apenas por viaturas com 33 e 20 paletes de capacidade.

Ao vermos uma entrega de 33 paletes em Santarém e tendo disponíveis viaturas com 33 paletes de capacidade começamos logo por tomar a decisão de enviar uma dessas viaturas para esse cliente. Ficamos contentes com esta decisão, foi fácil, havia um enqua­dramento perfeito entre a encomenda e o maior carro disponível.

Depois constatamos que, não podendo con­jugar as encomendas dos clientes de Coimbra e Castelo Branco numa mesma rota por questões de cumprimento de horários dos clientes (e.g. mesma hora de entrega ao final da tarde), só nos resta alocar uma viatura de 20 paletes para o cliente de Coimbra e outra viatura também de 20 paletes para o cliente de Castelo Branco. No total, utilizamos 3 viaturas.

Encomendas

Achamos natural enviar um carro de 33 paletes completo para Santarém, um carro de 20 paletes completo para Castelo Branco e sentimos algum desconforto em enviar um carro de 20 paletes com as 13 que o cliente de Coimbra encomendou. Sentimos que estamos a desperdiçar o espaço de 7 paletes, mas rapidamente nos consolamos com as duas outras boas decisões anteriores e temos tendência para aceitar a ineficiência numa rota, que atribuímos às circunstâncias das encomendas.

Podíamos ter feito melhor? Sim, podíamos. Se partirmos a encomenda de 33 paletes do cliente de Santarém em duas entregas de 20 + 13 paletes podemos aproveitar o facto de este ser a caminho dos outros dois clientes para conjugarmos os 3 clientes em apenas duas viaturas de 33 paletes. Ou seja, podemos enviar um carro de 33 com 20 paletes do cliente de Santarém e com as 13 paletes do cliente de Coimbra, e depois outro carro de idêntica capacidade com as remanescentes 13 paletes do cliente de Santarém com as 20 paletes do cliente de Castelo Branco.

A decisão de enviar um carro completo de 33 paletes para um só cliente é a melhor se vista isoladamente. Quando adicionamos um contexto de frota e de múltiplas encomendas tal pode já não ser a melhor decisão. Ao par­tirmos uma encomenda de carro completo em duas perdemos alguma eficiência local (temos de visitar o mesmo cliente duas vezes) mas ganhamos eficiência global (reduzimos uma viatura em três). De facto, a utilização da frota disponível foi reduzida em 33% neste simples exemplo.

Por vezes assumimos que as melhores deci­sões tomadas isoladamente se mantêm boas quando inseridas em qualquer contexto e isso nem sempre se verifica. Não é verdade que o caminho mais rápido entre dois locais seja sempre também o mais curto, e não é verdade que uma entrega de carga completa seja sempre a melhor decisão, por muito contraintuitivo que seja.

 

*Texto originalmente publicado na Edição n.º 109 da Revista Eurotransporte


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