Optimizar rotas - benefícios e dificuldades

Como declaração inicial deste texto devo dizer que trabalho numa empresa de planeamento e optimização de rotas.

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Ao longo dos últimos 15 anos temos tido a oportunidade de trabalhar com empresas de transporte e distribuição ou com expedidores clientes dessas empresas, em várias geografias e realidades, desde a Colômbia à Austrália, de Inglaterra a Angola, e passando, claro, por Portugal.

As realidades e formas de trabalhar destas empresas são bastante distintas, mas encontramos habitualmente um denominador comum: as rotas diárias de expedição são planeadas manualmente por alguém que tem muita experiência a fazê-lo. Tal deve-se a várias razões: não acreditam que exista forma de o fazer com um sistema; até acreditam, mas nunca tal lhes foi apresentado; já acreditaram no passado, mas acabou por não funcionar e abandonaram o sistema em detrimento do processo manual novamente.

No entanto, os potenciais benefícios da adopção de um sistema de planeamento e optimização de rotas são elevados, com a redução global de custos na linha da frente. E isso só por si merece o investimento de tempo numa prova de conceito para a adopção de tal sistema. Veja-se o exemplo de uma empresa no Reino Unido que adoptou a tecnologia portuguesa de optimização e reportou reduções directas nos custos de combustível de 10% bem como a capacidade de entregar os mesmos volumes com 25% menos de frota disponível (https://bit.ly/2E5X4wQ). Inclusivamente, a transformação logística que adveio da implementação destes novos processos valeu-lhe um cobiçado prémio de inovação na logística.

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Os muitos falsos obstáculos

A maior desconfiança que encontramos em relação a uma ferramenta de planeamento automático é a complexidade de regras e constrangimentos que condicionam as decisões de rotas numa operação logística. Por exemplo, é necessário considerar constrangimentos tão variados como: capacidades distintas dos veículos em termos de peso, volume, paletes, etc.; horas de trabalho diferentes para cada motorista; competências diferentes dos motoristas (certificados, habilitações, etc); regras de acesso aos locais de descarga dos clientes em função das viaturas; janelas horárias de serviço dentro das quais o cliente tem de ser visitado, eventualmente variando com o tipo de produto que espera receber; duração estimada das cargas em armazém e das descargas nos clientes; restrições de tráfego por tipologia de viatura e/ou hora do dia; quantidades e volumes distintos encomendados pelos clientes cuja acomodação numa mesma viatura possa ser incompatível, apesar da sua eventual proximidade geográfica, entre muitos outros...

A preocupação mais frequente é com o trânsito. Teme-se que quaisquer rotas planeador por um sistema sejam inválidas simplesmente porque este não considera o trânsito com que as viaturas se irão deparar no momento da sua execução. Com os sistemas mais avançados, nenhum destes tópicos é uma preocupação, uma vez que os mecanismos disponíveis para expressar estas regras e constrangimentos (como um motor de regras flexível e simples de utilizar) estão à disposição do planeador de rotas. Por isso, desde que seja um sistema de última geração com algumas funcionalidades essenciais tais obstáculos são facilmente ultrapassados. Os verdadeiros obstáculos são os que nenhum sistema pode circunscrever ou ultrapassar.

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Os dois reais obstáculos

Por entre a preocupação em modelar num sistema todas as regras e constrangimentos da operação logística vão sobressaindo as reais preocupações: a qualidade dos dados e a gestão da mudança. A qualidade dos dados surge quando estamos a modelar as regras mais elementares como os tempos estimados de descarga por cliente ou mesmo a janela horária que este nos indica em que deve ser visitado. Muitos destes dados mais elementares não estão muitas vezes sistematizados, ou seja, não estão em nenhuma base de dados, mas são do conhecimento exclusivo dos motoristas que os visitam. Com este processo identifica-se habitualmente a informação que está na posse da operação mas não na posse da gestão da empresa.

Pior do que isso, muitas vezes a gestão pensa ser detentora destes dados porque tem uma base de dados preenchida mas está equivocada porque a generalidade da informação não foi actualizada ao longo do tempo, e no presente já será impossível distinguir o que está correcto nesses dados. Por exemplo, um restaurante que dantes recebia só de manhã agora só recebe durante a tarde. A base de dados não foi actualizada mas as entregas são realizadas durante a tarde porque os motoristas sabem da alteração. E só os motoristas. É curioso ouvir falar de «Big Data» nestas circunstâncias. Quanto os dados são maus a sua exponenciação para um conceito de «Big Data» só difunde o ruído.

Por outro lado, mesmo quando a informação está finalmente bem definida e toda a operação está bem modelada no sistema de optimização de rotas surge a principal dificuldade, a gestão da mudança.

A mudança é natural em todos os processos onde procuramos melhorar algo. Se estamos a planear rotas de forma diferente é natural que precisemos fazer algo diferente operacionalmente para obter um resultado melhor. Esperar resultados melhores sem mudar nada é insensato.

Com as novas abordagens vem também a natural resistência à mudança. Muitas vezes a forma de trabalhar, planear rotas, executar rotas, atribuir os mesmos clientes aos mesmos motoristas e sempre da mesma forma é precisamente o que se revela ineficiente e que carece de mudança. A mesma mudança que um sistema introduz, tal como os benefícios que daí advêm.

Por isso, a adopção de novas formas de trabalhar, muitas vezes questionando o que sempre se considerou uma verdade absoluta traduz-se numa dificuldade de adopção por parte das pessoas intervenientes na operação logística.

O investimento nas pessoas e na adesão ao planeamento optimizado de rotas são fundamentais para finalmente atingir os benefícios identificados.

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O retorno: anos de melhorias operacionais

Temos o dogma de que o sistema nunca conseguirá fazer melhor do que alguém experiente, ou que nunca conseguirá abarcar todas as particularidades e especificidades de uma operação logística. Que, quanto muito, fará o mesmo em menos tempo e assim poupando horas de trabalho manual. No entanto, quando o sistema de inteligência artificial começa a aprender por si próprio a partir do que lhe foi ensinado, rapidamente demonstra que não só consegue fazer bastante melhor como também o faz em menos tempo. As primeiras melhorias sentidas são ao nível da poupança de recursos e combustível, na ordem dos valores reportados pelo exemplo da empresa do Reino Unido referida. Mas a sistematização de um processo de planeamento de rotas é apenas o princípio de um longo caminho de benefícios para a operação logística global:

- Com o planeamento individualizado das rotas a partir de um centro de distribuição é possível estabelecer um padrão de boas-práticas e disseminar a mesma abordagem para outros centros de distribuição. Em breve, aquilo que eram decisões descentralizadas e tomadas em função de algumas pessoas passa a ser conhecimento e procedimento instituído da organização, portanto um activo da empresa, parte do seu «savoir-faire».

- A seguir à uniformização de uma forma de planear rotas por todos os centros logísticos da empresa vem a dinamização em função de clientes e fornecedores (incluindo logística inversa e back-hauling, por exemplo). Todas estas operações passam a ser planeadas em simultâneo com a distribuição elevando o nível de envolvimento com a cadeia de abastecimento.

- Depois vem a integração com os transportadores e a sincronização das suas horas de disponibilidade, melhorando a sua performance, baixando também os seus custos e maximizando a eficiência logística.

- Por fim, a dinamização em função dos pedidos dos clientes, eventualmente sincronizando vários canais de venda e logística num só (conceito de omnicanal). Este objectivo advém de um nível avançado de evolução na optimização de rotas e introduz um conceito de grande adaptabilidade à variabilidade da procura dos clientes, conhecido habitualmente como “dynamic supply-chain”.

Todos estes benefícios traduzem-se na mais eficiente logística, integrada com toda a cadeia de abastecimento, minimizando custos internos e até mesmo externos, ao mesmo tempo que permite responder de forma assertiva a variações da procura dos clientes.

Os consumidores de hoje querem ser servidos no imediato e de preferência gratuitamente. A melhor resposta só é possível com as melhores e mais avançadas tecnologias que nos permitem chegar onde humanamente já não é possível.

 

*Texto originalmente publicado na Edição n.º 110 da Revista Eurotransporte


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