---

Queremos aumentar a quota modal da ferrovia

05 maio 2021

Pedro Nuno Santos é o Ministro das Infraestruturas e da Habitação do Governo de Portugal. Licenciou-se em Economia, pelo ISEG-UTL, e em 2001 desenvolveu actividade no Centro de Estudos sobre Economia Portuguesa, na área da economia da saúde tendo depois ingressado no grupo empresarial da família.

Socialista desde os tempos de estudante, Pedro Nuno Santos desempenhou as funções de deputado na X e XII Legislatura, foi vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS e coordenador dos deputados do PS na Comissão de Economia e na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES.

Foi Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares no XXI Governo, de Novembro de 2015 a 18 de Fevereiro de 2019. Nessa qualidade, para além da ligação entre o Governo e o Parlamento, assegurou a interligação entre o Executivo e os Grupos Parlamentares que garantem a maioria sobre a qual o Governo se apoia. Este é o perfil do nosso entrevistado que tem em mãos o importante processo de desenvolvimento das infraestruturas ferroviárias (entre outras) e da habitação, numa altura em que a “bazuca” financeira da Comunidade Europeia pode começar a chegar ao território nacional.

O Governo já admitiu que o transporte ferroviário será uma das suas grandes apostas até ao final desta década. Qual será o papel da CP nesta estratégia e na mobilidade nacional?

O papel da CP é absolutamente central na estratégia para uma melhor mobilidade nacional. A CP é a maior empresa de mobilidade do País, e é dessa forma que queremos que ela se afirme como o elemento estruturante do sistema de transporte público nacional. O papel de um operador ferroviário como a CP, com a abrangência, a história e a capacidade que tem, é insubstituível. Isto é verdade no transporte urbano, nas áreas metropolitanas, no transporte regional, ligando o território, e no longo curso, onde é o único meio de transporte que pode substituir a aviação nos percursos de curta distância.

Actualmente, quais são as principais ineficiências do operador ferroviário e como corrigi-las?

Nós temos vindo a resolver os problemas estruturais da CP, mas esse trabalho ainda não terminou. Conseguimos trazer a paz laboral para a empresa, conseguimos assinar um contrato de serviço público que torna transparente e clara a relação da CP com o Estado e começámos a reabrir oficinas e a recuperar material circulante que tínhamos, mas não utilizávamos.

Isso permitiu-nos regularizar os serviços da CP, garantir que o comboio aparece, que aparece a horas e que aparece limpo.

Esse trabalho não está completo, mas já fizemos um grande progresso. Sobretudo, as pessoas perceberam que nós estávamos, finalmente, dedicados a cuidar da CP, e isso trouxe uma motivação e um entusiasmo que há muito não se via.

Agora, falta fazer os grandes investimentos de que a CP precisa para substituir o material circulante obsoleto que tem e ganhar capacidade para aumentar a oferta e responder às necessidades cada vez maiores de transporte público. Estes investimentos estão todos previstos nos vários pacotes de financiamento que Portugal irá receber nos próximos anos.

Está previsto um grande investimento em material circulante, cerca de 1750 milhões de euros, no âmbito do PNI 2030. No entanto, é provável que os comboios não cheguem antes de 2029. Após a pandemia, e se os níveis de procura voltarem ao “normal”, como é que a CP irá responder para manter os níveis de qualidade no transporte?

Os primeiros novos comboios deverão chegar bastante antes de 2029, até porque recentemente foi adjudicado o concurso para 22 automotoras com a Stadler que, em 2023/2024 se espera que possam ser entregues.

A pandemia deu-nos também algum tempo para avançar com a recuperação de material circulante que já tínhamos iniciado em 2019 e que deverá estar concluída até meados 2021. Depois, temos as 51 carruagens que comprámos a Espanha, que já estão a ser reabilitadas e modernizadas e que irão ser colocadas ao serviço nos próximos 2 anos. Estas carruagens vão trazer uma melhoria muito grande na qualidade de alguns serviços regionais e aumentos pontuais de oferta no Longo Curso e nos Urbanos, com outro material que possa ser libertado.

Já existem dados reais sobre os efeitos negativos que esta pandemia trouxe ao transporte ferroviário? Quais foram os serviços de transporte mais afectados e que efeitos financeiros trouxe à CP?

Nas primeiras semanas do confinamento, a CP teve quebras de procura muito acentuadas, como seria de esperar, na ordem dos 80% ou dos 90%, nalguns casos. Desde então, tem vindo a recuperar, mas ainda se encontra muito abaixo dos valores de 2019. O impacto nas receitas da CP também é significativo, como se imagina, mas o Estado garante que a CP deverá será compensada pelos custos que está a ter em manter serviços a funcionar com poucos passageiros.

Alguns operadores de transportes já manifestaram a sua intenção de apostar no transporte ferroviário de passageiros, na sequência da liberalização decorrente no sector. A CP irá continuar a ser o operador incumbente por excelência, ou o Governo prevê que alguns serviços possam ser privatizados, concessionados ou subconcessionados?

A CP tem um contrato de serviço público para todos os serviços de passageiros que estão dentro das obrigações de serviço público, com a excepção dos que usam a Ponte 25 de Abril, que lhe dá exclusividade durante o mínimo de 10 anos. Consideramos que, se estes serviços têm de ser remunerados pelo Estado, por serem deficitários, não há nenhuma boa razão para que não seja uma empresa pública, a CP, a operá-los, com as vantagens de escala e de integração de serviços. Não contarão comigo, nem com este Governo, para desmembrar a CP. Naturalmente, nos segmentos de negócio que funcionam em ambiente de mercado, como é o caso do Longo Curso, não há nenhum impedimento a que surjam operadores privados para operar em Portugal.

Pedro_Nuno_Santos_2

Ferrovia é aposta forte

O programa Ferrovia 2020 contempla um investimento total de 2,171 mil milhões de euros, grande parte dele suportado por fundos comunitários. No entanto, no início deste ano apenas 5% dos projectos estavam concluídos. Dez meses depois, qual a percentagem de obras já concluídas e o que é que ainda falta fazer?

Neste momento, 77% do Ferrovia 2020 está em fase de obra ou já concluído. Falta terminar os projectos e lançar os concursos para obra referentes a 23% dos empreendimentos.

Entretanto, foi apresentado o PNI 2030, que define quais serão os investimentos em equipamentos e infraestruturas, nomeadamente na área dos transportes. Mais uma vez, a ferrovia tem um papel fundamental neste plano. Como é que foram definidos os projectos e prioridades contemplados no PNI2030?

O PNI203 resulta de um processo que já leva mais de dois anos, em que foram feitas sessões pelo País e ouvida a sociedade civil de forma aberta até se chegar a uma primeira versão, que foi apresentada em Janeiro de 2019. Depois, o PNI foi apreciado pelo Parlamento, que aprovou uma resolução em que incluía uma extensa lista de projectos para serem considerados. O PNI, em conjunto com a Resolução da AR, foram submetidos ao Conselho Superior de Obras Públicas, que produziu um conjunto de relatórios técnicos e, no final, emitiu um parecer. Foi com os resultados do trabalho do CSOP que o Governo produziu esta nova versão do PNI2030, apresentada em Outubro passado.

A ligação de alta velocidade entre Lisboa-Porto e Porto-Vigo é um dos projectos em destaque. Que benefícios económicos e sociais esta obra irá trazer ao Pais?

Ligar o Porto e Lisboa em 1h15 muda o País e muda a forma como as pessoas e as empresas se relacionam entre si. Além disso, pela nossa estrutura territorial, encurtar a distância entre as duas áreas metropolitanas significa “encolher” o território todo, porque a maior parte das ligações ferroviárias, incluindo as do interior, usam a linha do Norte. O eixo Porto-Lisboa é aquele que concentra o maior volume de tráfego de passageiros e de mercadorias. Ao construir uma linha nova, vamos também criar uma margem para o crescimento do transporte de mercadorias que hoje não existe, e vamos ainda libertar capacidade para reforçar os serviços suburbanos em Lisboa e Porto. Este é um projecto dispendioso, mas que trará benefícios muito maiores para o pais, o que foi, aliás, sucessivamente confirmado pelas análises custo-benefício que se fizeram.

Alguns especialistas referem que se perdeu uma oportunidade ao não se apostar, no imediato, na ligação de passageiros entre Lisboa e Madrid. Qual é o seu comentário?

Todos os dados e estudos que temos, desde que começou a ser pensada a alta velocidade ferroviária em Portugal, já lá vão mais de 20 anos, nos dizem que a ligação mais prioritária é a ligação Porto-Lisboa. É a mais prioritária, não só porque tem mais procura, mas também porque é aquela que dá o maior contributo para a estruturação do nosso território e dos nossos centros urbanos. É completamente diferente falarmos de ligar Lisboa a Madrid ou falar Braga/Setúbal a Espanha. O Eng.º João Cravinho pensava este problema desta forma há duas décadas e, na minha opinião, esta visão mantém-se válida.

Dito isto, o investimento que está em curso na construção da nova linha entre Évora e Elvas é um investimento na ligação de passageiros entre Lisboa e Madrid. Tem havido bastante confusão, mas permitam-me que clarifique que, nessa linha, poderão circular comboios de passageiros a velocidades de 250 km/h e que ela permitirá reduzir em muito o tempo de viagem entre Lisboa e Madrid. Com as obras que já estão em curso do lado português e do lado espanhol e que estarão prontas até 2023, vai passar a ser possível ligar as duas capitais em cerca de 5 horas.

Os investimentos previstos irão beneficiar não só o transporte de passageiros como também o transporte ferroviário de mercadorias. Como é que caracteriza este sector em Portugal?

Apesar de tudo, o transporte ferroviário de mercadorias em Portugal está numa posição relativamente positiva face a outros países, como Espanha. A quota modal da ferrovia no transporte de mercadorias é de cerca de 14% em Portugal, muito melhor que os 5% de Espanha, mas ainda assim bastante abaixo dos 24% da média da UE.

Nós queremos aumentar a quota modal da ferrovia e isso passa, em parte, pelas obras que já estão em curso ou que estão planeadas nas Infraestruturas e que permitirão aumentar em muito a capacidade, ao mesmo tempo que se reduzem os custos. Isto é muito importante, uma vez que o transporte de mercadorias funciona em ambiente de mercado. Por isso, acreditamos que haverá muito espaço para que os actuais operadores possam crescer, mas também para que possam surgir novos operadores.

Já existe algum plano sobre a localização da futura plataforma rodoferroviária da região norte?

Estamos a trabalhar nisso, com a certeza de que é uma infraestrutura da máxima importância e da máxima prioridade para a região Norte e para o País. É também por essa razão que está incluída no PNI2030.

Infraestruturas portuárias

Um dos grandes projectos contemplados no PNI 2030 é a construção do Terminal Vasco da Gama, em Sines, cujo concurso já foi lançado. O prazo para entrega de propostas foi prorrogado até Abril de 2021. O motivo para esta decisão foi apenas devido à pandemia?

A decisão do Conselho de Administração da APS de prolongar o prazo para apresentação de propostas deveu-se, desde logo, aos constrangimentos e impactos, ainda por apurar, da pandemia. Ficou claro desde cedo que a imprevisibilidade global gerada pela COVID-19 poderia afectar este concurso internacional, bem como as empresas interessadas em concorrer.

Por outro lado, quer o Governo quer o porto de Sines se preparavam para fazer uma série de reuniões e contactos, nacionais e internacionais, para promover o projecto, o que não foi possível devido à situação.

Consideramos, por isso, que a solução mais cautelosa era a de prorrogar por um ano o prazo para apresentação de propostas e, neste momento, aguardamos que a 6 de Abril de 2021 seja possível ter um leque de propostas sólidas e interessantes.

A pandemia e a retração na economia mundial podem afectar a existência de interessados à concessão do Terminal Vasco da Gama?

De facto, a esta distância, não sabemos em que situação estaremos a 6 de Abril de 2021. Neste momento ninguém sabe ainda quais serão os impactos da pandemia na economia mundial e, mais concretamente, as mudanças que se tornarão definitivas no shipping.

O que sabemos é que o projecto deste Terminal prevê uma capacidade instalada de cerca de 3.5 milhões de TEU, com uma frente de cais de 1.375m, permitindo a operação simultânea de três dos maiores navios em operação comercial presentemente, com 400m de comprimento fora-a-fora, e isso é fundamental para a expansão do porto de Sines e, com mais ou menos atraso, terá de acontecer.

Mesmo neste contexto de incerteza o Terminal tem despertado o interesse dos stakeholders.

Dentro do PNI 2030, quais são os projetos mais significativos no âmbito do sector marítimo-portuário e aqueles que podem alavancar a economia nacional?

O PNI 2030 prevê cerca de 2088 M€ apenas para a área marítima-portuária em que, assente em 8 programas que abarcam os portos comerciais continentais, se continua a aposta nos novos terminais e expansão de terminais existentes, promovendo o aumento de capacidade de movimentação de mercadorias, a fundamental melhoria dos acessos marítimos que permitirá capacitar os portos para receber navios maiores, seguindo a tendência mundial. Outra grande aposta será a promoção das vias navegáveis interiores, com a Via Navegável do Douro a merecer um destaque justo.

Novo Aeroporto no Montijo

Existe alguma possibilidade de não se avançar para a construção do novo aeroporto do Montijo? Em que situação se encontra actualmente este processo?

O Governo está totalmente comprometido e empenhado na implementação de uma solução que permita expandir a capacidade aeroportuária de Lisboa. A pandemia Covid-19 provocou uma quebra muito acentuada no tráfego de passageiros, dando-nos tempo para lançarmos uma Avaliação Ambiental Estratégica. Será essa avaliação que irá comparar diferentes localizações e definir o que é melhor para o país.

A pandemia afectou brutalmente o sector aeroportuário. Especialistas da IATA revelam que a retoma será realizada de forma lenta e progressiva, uma vez que o transporte aéreo, tal como hoje conhecemos, será totalmente diferente devido à implementação de inúmeras medidas de carácter sanitário. A quebra do número de passageiros em Lisboa continua a justificar a construção do NAL?

Os dados da IATA mostram que em 2024/25 atingiremos o tráfego registado em 2019. Nessa altura, então, voltará a ser necessário termos um novo aeroporto na região de Lisboa. Portanto, a pandemia retirou urgência ao projecto, mas a necessidade mantém-se.

Como é que a TAP está a enfrentar o impacto gerado pela COVID-19?

Está a ser um grande desafio para a companhia e para os seus trabalhadores. A TAP tem uma estrutura montada para transportar 17 milhões de passageiros, mas está a operar a um nível que ronda os 30% do registado em 2019. Portanto, tal como todas as outras companhias no mundo inteiro, a TAP está a registar prejuízos avultados por estar sobredimensionada para o mercado actual.

Pode revelar-nos quais serão as linhas-mestras do plano de reestruturação da TAP?

O plano de reestruturação será entregue em Bruxelas até ao final do ano e nesse momento serão conhecidos publicamente os detalhes.

In Eurotransporte n.º 119


Tags

Recomendamos Também

Revista
Assinaturas
Faça uma assinatura da revista EUROTRANSPORTE. Não perca nenhuma edição, e receba-a comodamente na usa casa ou no seu emprego.